Precipício Mental - Insensatez

segunda-feira, 2 de fevereiro de 2015

A carta

"Vou te escrever uma carta, menina! Te aquieta pra ler.
Antes de começar, quero te dizer que essa carta é sobre o quão bonito é amar mas também, sobre o quanto doloroso é ter que pausar e tirar o filme na melhor parte, principalmente quando nos identificamos com os personagens, quando parece que rolou a química, a física e que todas as outras reações parecem justificar o que sentimos, quando o horóscopo parece torcer pra que tudo dê certo, quando todas as poesias boas do mundo e todo o mar de músicas parece seguir a barca da gente. Essa carta é sobre ser surpreendido e sobre evoluir sem se culpar, nem culpar o outro. É sobre você e principalmente, sobre abandonar uma pessoa antes de feri-la. É sobre as tantas sensações que sentimos e sobre os sorrisos tão bonitos que roubamos sem querer e que também nos roubaram um dia. É sobre ter acreditado até onde deu, mas precisamos dar adeus porque às vezes ir embora machuca menos do que ir até onde não deveríamos. Essa carta é sobre ter que partir pra não continuar e, talvez, desacreditar por alguma motivo, ou talvez por nada. É sobre aceitar o momento do outro e saber que as pessoas, podem escolher a qualquer momento não mais continuar com a gente, porque as pessoas são livres, sempre foram. A gente precisa se preparar pra isso, aceitar isso e o mais importante, não se prender a isso. Essa carta é sobre amar as melhores lembranças e ir embora antes que as piores cheguem.
É, moça. Cê já deve saber: amor não se acaba, se vai. A gente leva amor na bagagem e não pesa. Amor não necessariamente precisa ficar pra que a gente perceba que foi amor. Ele pode partir também, mas certeza, um pouco dele vai ficar. Ele pode tentar sumir da tua vida, mas até o escuro debaixo dos teus pés guardará um pouco. Amor fica na poltrona do cinema, em todos os bancos que vocês já sentaram, em todas as esquinas que pararam pra conversar, em todos as mesas de um bar e até no banheiro do restaurante que vocês comemoraram um mês. Depois tudo isso acalma, passa a não fazer aquele sentido tão forte quanto costumava ter.
O amor não é essas tantas expectativas que depositamos e esquecemos de viver os momentos que tínhamos pra serem vividos. Amor é cuidar agora, comemorar agora, viver agora e nunca deixar pra depois. Aceita menina, que o amor se vai como o teu se foi. E nunca, jamais, diz pra alguém que cê chora por não ter sido amor. Por favor, não se culpe e também não culpe ninguém. O amor aterriza na gente, mas pode voar. O amor chega, mas pode não ficar. Amor cumpre com todos os sonhos, realiza todos os desejos, executa todas as suas fases. Se ficou alguma coisa pra ser feita, isso não foi culpa dele. Amor é apenas um primeiro gole, o que já é suficiente pra envolver a gente em outros braços. Se amor é abraços e envolvimento, ele pode ser também, um tchau, um lamento por não poder ficar pro café da manhã. Se não deu, abrimos os braços pra nós mesmos e paciência!
Dói pra caramba, concordo. Mas olha só, menina. Agora é hora de ir. Cê chegou em sua estação e é hora de se reinventar e torcer pra que ele se reinvente também. Vai e leve contigo células do músculo estriado cardíaco. Leva mesmo com as contrações involutórias e que ele sempre te bombeie felicidade e sorrisos, mesmo que não sejam mais pra ele. Que você não perca o brilho dos seus olhos que, certeza, ela tanto enxergou enquanto estava do teu lado. Que seus dias não se cruzem com os dele, mas se cruzar… Não desmonta, por favor! Pensa no trabalho que deu pra se montar toda. Pensa em cada bloquinho que agora faz parte de você, que você precisou reconstruir quando ele se foi. Pensa em cada pedaço que serviu pra você encontrar o sentido de viver e ser a própria vida e o quanto cê demorou pra se inteirar. Cê tá inteira, só não tá bem. E se algum dia cê lembrar daquele moço, aquele que leu as tuas contra-indicações e até gostou, mas não levou pra casa. Lembra dele com sorriso no rosto e bochechas boas pra se apertar. Lembra, mas com o peito cheio e farto de razões pra dizer: ''Você foi amor, mas escolheu não ficar mesmo com o espaço que te dei''. Lembra do sorriso maroto que ele tinha e ele lembrará de todas as vezes que te empurrou com o ombro e sorriu pra você como se te dissesse em silêncio: caralho, não acredito que te tenho. Lembra que ele torceu pra você, se isso foi sincero, não sei bem te dizer. Mas fica bem, menina, e agradece porque você consegue ser inteiramente feliz nesse mundo, com ou sem ele."
Iande Albuquerque